quarta-feira, 27 de julho de 2011

As carreiras "Amy Winehouse" nas empresas

"Autoridades londrinas anunciaram que a cantora Amy Winehouse foi encontrada por paramédicos morta em sua casa nesse triste sábado, 23 de julho de 2011." Fiquei pensando se, em algum momento, a vimos viva de verdade. Sua chocante trajetória de autodestruição contrasta com a voz talentosa e admirada por muitos. Mesmo com todo o sucesso, em outubro de 2006, declarou que, quanto mais insegura estava, mais bebia.

É duro observar o quanto o sucesso, da forma como a maioria o imagina, não traz felicidade, não torna ninguém mais seguro e não é capaz de resolver problemas da existência humana a que todos estão submetidos. Não importa quanto dinheiro ou reconhecimento a pessoa tenha, as questões mais profundas de sua existência não podem ser resolvidas por essa esfera.

É evidente que o ser humano adulto deve ser capaz de se sustentar e ser financeiramente viável. Mas acreditar que sucesso, fama e dinheiro resolvem todos os problemas é uma ilusão terrivelmente perigosa. A questão é que, mesmo para ser bem-sucedido, o indivíduo deve estar preparado como ser humano maduro.

Nossa experiência de vida é um processo desafiador entre nosso mundo interior e a realidade exterior – aquela que compartilhamos com os demais. Não importa o quanto nos digam que somos talentosos, bons ou bem-sucedidos. Se, em nosso interior, nos sentirmos pequenos, inseguros ou fracassados e dermos mais atenção e dedicação a essas sensações, nem todo o sucesso do mundo, o amor ou a admiração de outras pessoas poderão nos salvar de uma vida e de um fim trágicos.

Querer se livrar dessas sensações por meio da bebida, da droga ou mesmo da fuga do convívio sadio com outras pessoas é um caminho para a autodestruição. O herói não é essa figura indestrutível e cheia de poderes que vemos nos filmes. Tampouco os dragões e feras aladas são os inimigos destruidores que temos de enfrentar. O verdadeiro percurso do herói é aquele no qual a pessoa é colocada à prova de sua própria vida, exatamente como ela é, e nesse trajeto enfrenta suas emoções, angústias, medos e frustrações. Ela o faz de uma forma tão profunda, que sente que não irá sobreviver, mas ao fazê-lo consegue vivenciar duas experiências fundamentais para a maturidade: ser capaz de sobreviver a suas emoções, especialmente aquelas mais tenebrosas, e sentir-se parte de algo maior chamado humanidade.

Ao percurso do herói, damos o nome de aventura, e a vida é a mais extraordinária de todas e a mais perigosa. Se, ao longo do processo, o indivíduo não aprender a dominar o irracional dentro de si, por mais que faça e por mais elevado que seja, seu sucesso se autodestruirá.No mundo das celebridades, vemos isso a todo instante e ao longo da história. Não há necessidade de citarmos exemplos, cada um tem o seu na memória. No mundo empresarial, ocorre o mesmo. É verdade que subir em busca dos cargos cada vez maiores e bem remunerados é uma meta fixa na cabeça de muitos. O mais rápido possível. Entretanto, poucos são capazes de se responsabilizar por seu autodesenvolvimento, especialmente por suas emoções e o domínio do irracional que habita seu interior.

A tecnologia não substituiu a experiência de vida. Cada indivíduo, se quiser chegar à fase adulta sadio e capaz de produzir a vida que deseja, terá de aprender a lidar com ambos. Isso não significa distrair-se com drogas, remédios ou bebidas. Mas ser capaz de aceitar as frustrações da vida, as perdas, saber esperar, reconhecer a necessidade de preparo e que a maturidade é um processo que não pode ser apressado. Em alguns momentos se parece com o elevador: apertar repetidamente o botão de chamada não o fará chegar mais rápido.

Não existe uma fórmula que faça a pessoa amadurecer, mas, ao se submeter a certas vivências, gera as condições para que isso ocorra de forma sadia. Por exemplo: adquirir cada vez mais conhecimento, tanto dentro quanto fora do meio acadêmico, preparar-se psicologicamente, submeter-se a uma aventura ou a um processo que lide com a maturidade espiritual, especialmente com a finitude sua e das pessoas que ama. Ler a respeito não é o suficiente. Somente a vivência gera os resultados esperados.

Gerentes e diretores imaturos, independentemente de suas idades, causam a seus liderados experiências empobrecedoras. Diga-se de passagem, jogam pela janela qualquer esforço dos departamentos de recursos humanos em reter talentos. Mas, acima de tudo, possuem uma vida inacreditavelmente infeliz: destruídos na vida pessoal, angustiados com a própria existência, colocam toda a energia em sua carreira, maltratam outras pessoas, ignoram sua responsabilidade com a própria vida e como afetam os demais. Uma tristeza mesmo em empresas bem-sucedidas. Uma forma trágica e autodestrutiva de fracasso.

Silvio Celestino - é sócio-fundador da Alliance Coaching. 


segunda-feira, 25 de julho de 2011

Ambição: qual é a sua?

Não raramente, a palavra ambição é associada a significados negativos que denotam um desejo sem limites de se conseguir o que quer. Nessa perspectiva, o ambicioso é aquele indivíduo capaz de passar por cima de tudo e de todos para atingir seus objetivos. Mas será que é só isso e pronto?

Na contramão dessa tese, a psicóloga Daniela Levy, presidente da Appal – Associação de Psicologia Positiva da América Latina – defende que as pessoas ambiciosas são, na verdade, as que fazem o mundo girar. "Elas apresentam projetos, abrem empresas, sonham e colocam em ação. E é isto o que qualquer empresa quer: pessoas motivadas, com iniciativa, que correm atrás para atingir suas metas", afirma.

Dentro dos limites éticos e morais, a ambição pode ser uma característica muito positiva. Segundo estudos citados pela presidente da Appal, a característica está fortemente presente entre as pessoas persistentes e com uma boa autoestima.

"O limite da ambição é a ética. A grande ambição deve ser saber se destacar dentro de todas as suas limitações, com ética e integridade. Esta sim é a característica valorizada por todas as empresas e que garantirá o sucesso e a satisfação pessoal buscada", ressalta Daniela.

"Vale refletir sobre tudo o que você não quer fazer para atingir seus objetivos, como roubar, mentir ou pisar nos outros. É preciso observar sempre o conjunto de princípios morais", afirma a psicóloga.


Falta de ambição é um problema?

Se a ambição excessiva é vista com maus olhos, a falta dela é ainda pior. A ausência total de ambição normalmente é relacionada à falta de iniciativa e de perspectivas para o futuro. Mas essa característica pode ser desenvolvida, defende a especialista.

Ao que tudo indica, uma atitude positiva na educação desde a infância faz toda a diferença. Estimular a confiança, mostrar que correr riscos é saudável, ensinar a lidar com derrotas e expor as crianças a uma variedade de interesses ajuda muito na formação de um indivíduo confiante e determinado, características que também podem ser desenvolvidas em adultos.

Segundo a psicóloga, a chave para alcançar o sucesso é descobrir a sua ambição e saber usá-la. "O indivíduo deve se perguntar: do que eu gosto? Em que sou bom? Os outros estão dispostos a me pagar por isso? Quem consegue definir bem estas questões pode se focar melhor nos seus objetivos", afirma Daniela.

Estudos mostram também que, quando a ambição não é simplesmente uma busca por dinheiro, as chances de sucesso aumentam. Afinal é muito difícil fazer bem e obter sucesso em algo que não se gosta. "A busca deve ser para obter satisfação e realização pessoal. O dinheiro é uma consequência natural", explica a psicóloga. 


terça-feira, 12 de julho de 2011

Meu filho, você não merece nada





Ao conviver com os bem mais jovens, com aqueles que se tornaram adultos há pouco e com aqueles que estão tateando para virar gente grande, percebo que estamos diante da geração mais preparada – e, ao mesmo tempo, da mais despreparada. Preparada do ponto de vista das habilidades, despreparada porque não sabe lidar com frustrações. Preparada porque é capaz de usar as ferramentas da tecnologia, despreparada porque despreza o esforço. Preparada porque conhece o mundo em viagens protegidas, despreparada porque desconhece a fragilidade da matéria da vida. E por tudo isso sofre, sofre muito, porque foi ensinada a acreditar que nasceu com o patrimônio da felicidade. E não foi ensinada a criar a partir da dor.


Há uma geração de classe média que estudou em bons colégios, é fluente em outras línguas, viajou para o exterior e teve acesso à cultura e à tecnologia. Uma geração que teve muito mais do que seus pais. Ao mesmo tempo, cresceu com a ilusão de que a vida é fácil. Ou que já nascem prontos – bastaria apenas que o mundo reconhecesse a sua genialidade.


Tenho me deparado com jovens que esperam ter no mercado de trabalho uma continuação de suas casas – onde o chefe seria um pai ou uma mãe complacente, que tudo concede. Foram ensinados a pensar que merecem, seja lá o que for que queiram. E quando isso não acontece – porque obviamente não acontece – sentem-se traídos, revoltam-se com a “injustiça” e boa parte se emburra e desiste.


Como esses estreantes na vida adulta foram crianças e adolescentes que ganharam tudo, sem ter de lutar por quase nada de relevante, desconhecem que a vida é construção – e para conquistar um espaço no mundo é preciso ralar muito. Com ética e honestidade – e não a cotoveladas ou aos gritos. Como seus pais não conseguiram dizer, é o mundo que anuncia a eles uma nova não lá muito animadora: viver é para os insistentes.


Por que boa parte dessa nova geração é assim? Penso que este é um questionamento importante para quem está educando uma criança ou um adolescente hoje. Nossa época tem sido marcada pela ilusão de que a felicidade é uma espécie de direito. E tenho testemunhado a angústia de muitos pais para garantir que os filhos sejam “felizes”. Pais que fazem malabarismos para dar tudo aos filhos e protegê-los de todos os perrengues – sem esperar nenhuma responsabilização nem reciprocidade.


É como se os filhos nascessem e imediatamente os pais já se tornassem devedores. Para estes, frustrar os filhos é sinônimo de fracasso pessoal. Mas é possível uma vida sem frustrações? Não é importante que os filhos compreendam como parte do processo educativo duas premissas básicas do viver, a frustração e o esforço? Ou a falta e a busca, duas faces de um mesmo movimento? Existe alguém que viva sem se confrontar dia após dia com os limites tanto de sua condição humana como de suas capacidades individuais?


Nossa classe média parece desprezar o esforço. Prefere a genialidade. O valor está no dom, naquilo que já nasce pronto. Dizer que “fulano é esforçado” é quase uma ofensa. Ter de dar duro para conquistar algo parece já vir assinalado com o carimbo de perdedor. Bacana é o cara que não estudou, passou a noite na balada e foi aprovado no vestibular de Medicina. Este atesta a excelência dos genes de seus pais. Esforçar-se é, no máximo, coisa para os filhos da classe C, que ainda precisam assegurar seu lugar no país.


Da mesma forma que supostamente seria possível construir um lugar sem esforço, existe a crença não menos fantasiosa de que é possível viver sem sofrer. De que as dores inerentes a toda vida são uma anomalia e, como percebo em muitos jovens, uma espécie de traição ao futuro que deveria estar garantido. Pais e filhos têm pagado caro pela crença de que a felicidade é um direito. E a frustração um fracasso. Talvez aí esteja uma pista para compreender a geração do “eu mereço”.


Basta andar por esse mundo para testemunhar o rosto de espanto e de mágoa de jovens ao descobrir que a vida não é como os pais tinham lhes prometido. Expressão que logo muda para o emburramento. E o pior é que sofrem terrivelmente. Porque possuem muitas habilidades e ferramentas, mas não têm o menor preparo para lidar com a dor e as decepções. Nem imaginam que viver é também ter de aceitar limitações – e que ninguém, por mais brilhante que seja, consegue tudo o que quer.


A questão, como poderia formular o filósofo Garrincha, é: “Estes pais e estes filhos combinaram com a vida que seria fácil”? É no passar dos dias que a conta não fecha e o projeto construído sobre fumaça desaparece deixando nenhum chão. Ninguém descobre que viver é complicado quando cresce ou deveria crescer – este momento é apenas quando a condição humana, frágil e falha, começa a se explicitar no confronto com os muros da realidade. Desde sempre sofremos. E mais vamos sofrer se não temos espaço nem mesmo para falar da tristeza e da confusão.


Me parece que é isso que tem acontecido em muitas famílias por aí: se a felicidade é um imperativo, o item principal do pacote completo que os pais supostamente teriam de garantir aos filhos para serem considerados bem sucedidos, como falar de dor, de medo e da sensação de se sentir desencaixado? Não há espaço para nada que seja da vida, que pertença aos espasmos de crescer duvidando de seu lugar no mundo, porque isso seria um reconhecimento da falência do projeto familiar construído sobre a ilusão da felicidade e da completude.


Quando o que não pode ser dito vira sintoma – já que ninguém está disposto a escutar, porque escutar significaria rever escolhas e reconhecer equívocos – o mais fácil é calar. E não por acaso se cala com medicamentos e cada vez mais cedo o desconforto de crianças que não se comportam segundo o manual. Assim, a família pode tocar o cotidiano sem que ninguém precise olhar de verdade para ninguém dentro de casa.


Se os filhos têm o direito de ser felizes simplesmente porque existem – e aos pais caberia garantir esse direito – que tipo de relação pais e filhos podem ter? Como seria possível estabelecer um vínculo genuíno se o sofrimento, o medo e as dúvidas estão previamente fora dele? Se a relação está construída sobre uma ilusão, só é possível fingir.


Aos filhos cabe fingir felicidade – e, como não conseguem, passam a exigir cada vez mais de tudo, especialmente coisas materiais, já que estas são as mais fáceis de alcançar – e aos pais cabe fingir ter a possibilidade de garantir a felicidade, o que sabem intimamente que é uma mentira porque a sentem na própria pele dia após dia. É pelos objetos de consumo que a novela familiar tem se desenrolado, onde os pais fazem de conta que dão o que ninguém pode dar, e os filhos simulam receber o que só eles podem buscar. E por isso logo é preciso criar uma nova demanda para manter o jogo funcionando.


O resultado disso é pais e filhos angustiados, que vão conviver uma vida inteira, mas se desconhecem. E, portanto, estão perdendo uma grande chance. Todos sofrem muito nesse teatro de desencontros anunciados. E mais sofrem porque precisam fingir que existe uma vida em que se pode tudo. E acreditar que se pode tudo é o atalho mais rápido para alcançar não a frustração que move, mas aquela que paralisa.


Quando converso com esses jovens no parapeito da vida adulta, com suas imensas possibilidades e riscos tão grandiosos quanto, percebo que precisam muito de realidade. Com tudo o que a realidade é. Sim, assumir a narrativa da própria vida é para quem tem coragem. Não é complicado porque você vai ter competidores com habilidades iguais ou superiores a sua, mas porque se tornar aquilo que se é, buscar a própria voz, é escolher um percurso pontilhado de desvios e sem nenhuma certeza de chegada. É viver com dúvidas e ter de responder pelas próprias escolhas. Mas é nesse movimento que a gente vira gente grande.


Seria muito bacana que os pais de hoje entendessem que tão importante quanto uma boa escola ou um curso de línguas ou um Ipad é dizer de vez em quando: “Te vira, meu filho. Você sempre poderá contar comigo, mas essa briga é tua”. Assim como sentar para jantar e falar da vida como ela é: “Olha, meu dia foi difícil” ou “Estou com dúvidas, estou com medo, estou confuso” ou “Não sei o que fazer, mas estou tentando descobrir”. Porque fingir que está tudo bem e que tudo pode significa dizer ao seu filho que você não confia nele nem o respeita, já que o trata como um imbecil, incapaz de compreender a matéria da existência. É tão ruim quanto ligar a TV em volume alto o suficiente para que nada que ameace o frágil equilíbrio doméstico possa ser dito.


Agora, se os pais mentiram que a felicidade é um direito e seu filho merece tudo simplesmente por existir, paciência. De nada vai adiantar choramingar ou emburrar ao descobrir que vai ter de conquistar seu espaço no mundo sem nenhuma garantia. O melhor a fazer é ter a coragem de escolher. Seja a escolha de lutar pelo seu desejo – ou para descobri-lo –, seja a de abrir mão dele. E não culpar ninguém porque eventualmente não deu certo, porque com certeza vai dar errado muitas vezes. Ou transferir para o outro a responsabilidade pela sua desistência.


Crescer é compreender que o fato de a vida ser falta não a torna menor. Sim, a vida é insuficiente. Mas é o que temos. E é melhor não perder tempo se sentindo injustiçado porque um dia ela acaba.


(Eliane Brum escreve às segundas-feiras.) Texto extraído do site da Revista Época (http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/0,,EMI247981-15230,00.html)